Alguém que me lê e eu não vejo.

2004/05/30

Ontem li num blog, muito bom, perdido de propósito algures pela web, algo muito interessante. Respondendo a um desafio dum amigo, o autor pegou em palavras ditas horríveis e juntou-as num poema.
De facto juntar palavras para dizer algo bonito, algo que te faça sorrir nunca foi muito complicado. Havia tanto para te dizer. Tantas palavras bonitas que eu podia deixar perdidas nos livros que me emprestaste. Tantas mensagens que podia ter-te enviado. E, no entanto, deixo em branco todos os caminhos que me poderiam levar até ti. Porque sei que já recebeste todas essas palavras, porque já houve quem percorresse esse caminho e já houve quem o estilhaçasse.
Já viste essas palavras tantas vezes que elas perderam a cor. Nada de novo, não sei acrescentar nada de novo ao teu mundo, o caminho que não percorri já está gasto.

Já pensaste nisso?

As palavras belas já estão gastas de serem tão fáceis, tão verosímeis. E aquilo a que chamamos palavrões, por serem feios, alguns asquerosos, fazem-nos sempre questionar... "será mesmo para mim?" "MEU DEUS eu não mereço isto" "Dizes isso porque não és suficientemente boa para estares aqui comigo!"

É neste ambiente inóspito, de linhas vazias, que resolvo finalmente falar-te:

És um imbecil, um insignificante! Escondes-te num ninho de ratazanas imundas e permaneces, no odor fétido dos seus bafos, tu e a tua alma moribunda, infestada! E o que vês? O paraíso. Que mesquinhez!

Eu navego no esgoto, sim. Mas levo comigo a esperança de um dia desaguar no mar. Contigo ou sem ti.

2004/05/29

És incontrolável. És contagiosa.
És um tabique vertical com contornos dos mais simples, onde se acumula a fuligem dos anos.
És capaz de corromper o pôr-do-dol, de esconder na noite a linha luminosa que transparece pela janela.
Hipnótica, embargas a minha existência desde que te conheço, desde que a minha memória remota me permite vislumbrar a tua imagem.
Hoje, estonteante, a tua presença ofoscou-me,fez com que imergisse no mar glacial do teu sorriso.
Contudo, não deixei que me resgatassem de ti.

E ainda te chamam verdade!!!
Que palavra tão pura e tão macia para descrever uma realidade tão feroz e tão pouco subtil! Tens tal envergadura nas frases das pessoas que por aí ouço palrar que não transpareces jamais tudo aquilo que podes ser:

...certeira...
...afiada...
...entorpecida de tanta dor e desprezo.

Não conheces a dor refinada do vulnerável corte que deixas no vulnerável tecido por onde passas.
Oh lâmina que trespassa seda, hoje fragmentaste-me, fizeste-me tropeçar no caminho, deixaste-me nua à tua mercê, à tua vontade de pudor ausente!
Todavia não te recusei. Se assim vieste foi para que me espalhasse sobre mim mesma.

2004/05/26

Ainda existem pessoas que chamam a estes momentos de euforia, de alegria e orgulho, futilidades. Pois se podemos chamar futilidade à união entre as pessoas, às lagrimas de felicidade, ao orgulho e ao olhar de relance para o futuro com optimismo... pois que assim seja. Tenho apenas uma palavra: POOOOOOOOOOORTO!!!!

2004/05/24

Ainda é cedo. A noite é irremediavelmente quente... pelos temas que por ela se vão arrastando, por algumas ideias que se deixam debater quase sem força.
Equilíbrio. A palavra que mais tem sido lançada, que tem ficado a pairar nos canais auditivos dos presentes até acabar por se deturpar e perder o sentido.

O efeito de expressões como "motivação política" ou "tipo especial de violência" parece ser evidente. Quer deixá-las a pensar. Anula as pessoas. Aterroriza-as. Mas em poucos segundos resguardam-se nos seus escudos invísiveis que só elas julgam existir. É o poder do pânico, a preguiça de querer saber algo mais. A certeza de que num qualquer instante se assegura algo imprevisível, desconcertantemente avassalador. Mas é precisamente esta certeza de nada, que nos reconforta...

"Pode ser aqui!" O coração palpita. "Mas dificilmente será comigo." O coração sossega. "Até pode nem ser. Quem é que disse?" O coração suspira. Sorri-se.

Seguem-se mais expressões, mais risinhos... linhas soltas: "Prudência."

Sai-se. A sensação de que realmente o mais forte vence o mais fraco prevalece.
O vislumbrar do bom e do mau varia consoante o lado em que se está. Ignora-se muito.

Então vulgarizamo-nos rua abaixo, rimos de alguém que ouvimos. Os nossos pensamentos misturam-se com o vento: num de nós fica a violência do hoje, noutro fica o que faz sofrer, em mim a falta de clareza nos objectivos e em ti a guerra assimétrica. Eu continuo a pensar sobre as pessoas serem pessoas e sem, no entanto, saber definir pessoa.

No dia a seguir informar-nos-emos, para combatermos o vazio do desconhecido. Mas rapidamente ficaremos inundados, até uma próxima que acreditamos que nao vai acontecer. Porque não queremos.

Luminoso o meu olhar acaba por pertencer apenas ao céu escuro sob as estrelas, para trás estão expressões e ideias.

Fico eu e o mundo discreto.
Frio, gelo velho,
Na bruma silenciosa de uma caverna.

Calor, um fogo imenso,
Incomensuravelmente quente,
Desejo de ter e não ter.
Fugir a um tempo e voltar a dois...
Derreter beijos, fundir corpos,
Entregar e deixar queimar...
Quente como a cor do inesperado,
Um prazer que não é verosímil.
Não tem tamanho. Arde com o vento,
Pula com os rios e... grita!
Arde, queima, escalda,
Ferve areia sob sol incessante.
Pátio de aldeia soalheira.
Casa térrea, encostada a homens suados.
É paixão!
É desejo que não cessa.
Imparável volúpia que anseio
Como o peito, com o corpo, com o cabelo.
E que abraço com as pernas.
Vermelho macio,
Suave toque de sentimento.
E corro, e queimo, ardo em mim...
Combustão que nada perde, nem calor
Busco e não me detenho...
Continuo com o alento das chamas
Que, no meu interior,
Dão voz ao que incendeia.
E corro.
E fujo...
...sempre de encontro a ti.
Ando, fogo que me percorre e já não dói.
Não arrefeço. Energia.
Sou tudo, tudo, TUDO!
E tudo em mim quer,
Ao mesmo tempo,
Ser alguma coisa.
E é nada.
É desejo.
É querer e não querer.
Desejo de quem teme.
Lobos da noite que por mim procuram.


Olhos fechados, braços cruzados.
Olhar negro, poço sem fundo.
Frio. Sombra eterna.
Agror que não tem fim.

2004/05/14

Erguemo-nos. Encontramos o mundo. Embrenhamo-nos no dia estudado, já sabido. Caminhamos nas ruas indiferentes. Subimos as escadas indiferentes. Ouvimos as pessoas lá em cima, indiferentes. Questionamos, vivemos, vivemos, por dentro. Acreditamos, queremos acreditar, queremos acreditar que um dia acreditaremos. Apercebemo-nos que nem todos acreditam. Enrugamos papéis até ao lixo. Absorvemos. Voltamos. E, após jazer em nós próprios, depois de aproveitar a bruma difusa da noite, erguemo-nos...

Repetimo-nos. Só nos repetimos quando nos escondemos. E escondemo-nos sempre. Acima de tudo, ébrios ou despertos, desejamos. Acima de tudo, encontrados ou inventados, continuamos. Acima de tudo, queremos concluir algo que não se conclui: a nossa persistência de existir. Aproveitamo-nos dela.

E, hoje aqui, não queremos realmente que tudo isso acabe.

2004/05/11

Evidências

A chuva bate na janela,
como se fosse água trazida do céu.
As folhas balanceiam nas árvores,
como se fossem movidas pelo vento.
Os automóveis apressam-se,
como se houvesse um destino concreto
para quem os conduz.
O rio corre num leito certo,
como se um dia fosse desaguar no mar.

Tudo isto tão irritantemente certo,
tão fatalmente conhecido,
tão profundamente real
que anseio que seja falso...
...falso como as palavras que
exprimem o sentir.
...falso como as palavras que
contam a verdade.

2004/05/10

Fito.
O mundo do olhar em meu redor.
Cortinas de veludo preto
sobre os teus ombros descaídos.
Esfera corada de azul,
envolta em tule branco,
que salta nisso, que não és tu!


Ninguém é, porque todos querem ser.
Reveste-te de sentimento nú!
Rebola na areia e
espera que ela o acolhar nela!
Imprime tudo isso, que com fervor, desejas
em rocha solta, não perene.



Vai! Eu fico aqui, como o sonho.
Que o sonho sabe a tudo nos meus dias.
E a imaginação... Ah! Essa...
Essa dorme ao meu lado
Em todos os dias que se escondem na noite.

2004/05/07

Disseram-te um dia para teres cuidado com a paixão, a mulher por quem poderias apaixonar-te poderia trazer muitos transtornos para a tua vida, para o sucesso inesperado dos teus dias brandos e das tuas noites ofegantes. Depois apaixonaste-te. Depois amaste. Depois foste obrigado a fugir disso. Perdido entre os ideiais e a perfeição do classicismo grego e entre a fusão de todas as sensações o tumulto de sentir tudo sem qualquer regra feérica, mergulhaste a tua pena no tinteiro e deixaste-a voar.
Por Lia Goa:

"Tenho aqui, ao meu lado, bem visível aos meus olhos uma caixinha. Lá, embora pequenina, cabe toda a minha alegria, os meus sonhos, as minhas memórias do bem e do mal. Tenho aqui, na minha mão, parece estar viva esta minha caixinha, à qual chamo CORAÇÃO."

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