Alguém que me lê e eu não vejo.

2005/03/29

Para quê preocupar-me com este vento frio, que tece na minha pele arestas rugosas e despidas? Para quê preocupar-me quando dele me posso abrigar nas paredes pintadas de aconchego?
Pois que o vento continue sem me tocar na pele, nem nos cabelos... que continue e não me faça lembrar dos tempos em que lhe dava a minha existência em dias vazios.
Nada existe sem que para dar receba também, nem o vento. Eu dava-lhe os segredos e ele dava-me vida. Mas isso era "no tempo dos segredos". Agora ele gela-me e eu recuso-o.

2005/03/12

Sinto.
Mel a escorrer por entre granitos ácidos, íngremes, devagar... gelatinoso. Mel que se avista ao longe, de planícies distantes, abrigadas do sabor doce enjoativo e que só se adivinha desejável quando provado gota a gota, de quando a quando.
Tempo do tempo, em que a brisa olha para trás de dois em dois ou de três em três minutos. Que olha para trás e ainda assim continua a soprar, embora na soma de todos os seus conjuntos de dois ou três minutos e os seus intervalos, prossiga errada.
O gelo e o frio a rasgar estilhaços de terra, de rua e de rocha, a paralisar a seiva e o sangue. O frio e o gelo: nem o seu silêncio os salva. O frio e o gelo que continuam, como o mel e a brisa, porque o mundo parece ter-se habituado.
E se um dia tudo isto gritasse em uníssono, apertando as mãos ásperas e enrugadas do abismo?