Alguém que me lê e eu não vejo.

2005/12/31

Um encerrar de pálpebras ligeiro e a tua imagem instantânea em mim.
A intersecção de dois caminhos, que jamais se cruzariam se não fosse o vento dos teus dedos dedos. Partirás de novo, sorrateiro sobre as pedras da calçada, que seja bom o teu encontro com o infinito.

2005/12/30

Tu.

Riste enquanto davas aqueles passos.

Não estudei as respostas do teu corpo.

Mas lembro-me do escorrer do teu riso visceral enquanto davas aqueles passos. Como eu os recordo!...
Como eu os recordo?

Cada passo uma pequena agulha a trespassar o calibre dos meus ossos. Irriguei dentro de mim o teu riso com lágrimas e medula.

Estavas só. Mas a palavra só é a palavra só para ti, nada mais. No dia antes do dia. Foste encontrar-te ali.
Ali reencontraste a dor e eu vi-te.

Temo em ti essa solidão.
Temo-a em mim, entranhada no meu egocentrismo cutâneo.

Reconheço que a tua essência cheira a baunilha e não a pobreza.
Reconheço que te banhas num mar muito mais completo que eu, com mais jóias e mais corais. Reconheço-te a brisa dos passos.
Reconheço-te nos passos que eu não teria dado.
Reconheço aqueles que, como tu, caminham.
Aqueles que como tu caminham.
Reconheço os que se repetem, como tu e eu.
Reconhecer não é tornar-te importante, mas visível.

Agora já te conseguimos ver.
Nunca ninguém te pôde roubar a ausência de luz.

2005/12/22

Despedida

Até que enfim... Os Irras e os Ufas caminham de mãos dadas para bem longe, por detrás daquela colina já não vejo essas interjeições ansiosas de outros tempos, só o suspiro: o compor do oxigénio no meu sangue. A respiração serena restabelece-se em comunhão com o travo amargo da noite, o aroma gélido da solidão, o saber que nunca mais naquele cume surgirá de novo aquele sol.
Percepção demorada, em lenta câmara, nunca lá esteve, afinal eras tu que mo mostravas, ainda eu pequena, ainda eu absorvida naqueles sonhos idílicos, naqueles prados de ironia cintilante, eras tu naquele pedaço de papel dourado recortado, que me mostravas o sol, e era o sol que eu via. Agora sei que ele nasce do lado oposto, não naquele cume, nem no mar, nem na brisa.

Ainda é na sua existência, que sinto que me sinto por entre os insterstícios do tempo. O que fez ele com o sol e comigo e com o mundo?

O sol nasce sempre. Do lado oposto, irradiando sorrisos inesperados a cada segundo que eu não vejo.

O mim e o tempo, sou menos pequena, menos dourada, menos caminhante mas mais arrepiada.

O mundo é quem me arrepia, com o seu sopro e com os seus gritos.

Gritos que perduram, sopro que vagueia.

2005/12/14

Fundiu o seu corpo com a relva,
O tom inquieto da melanina, beijada pelo sol...
A pele a cobrir-se de verde,
o toque impregnado do brilho latejante ,
o perfume inconfundível,
esse jazer disfarçado de sorriso a montante.
A perfeita simbiose: as veias, os vasos.
A raiz e o cabelo indistinguivel.
A captação do sol, o respirar, o absorver, a água, chuvas, terra, tudo, num só.
Tudo para ter tudo.
E ser um só que nada perde.
Terra, vegetal, corpo, humano,
ocultando a margem ao rio.

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