Alguém que me lê e eu não vejo.

2007/10/31

Detesto. Tenho uma espécie de ruído aqui aninhado como um escravo. Perfeitamente educado para estar aqui sem se mexer. Um ruído agoirando um rompante selvagem que já não conhece. Este ruído urdido num vazio perdido no meu corpo, vazio esse que por vezes preferia recuperar. Um vazio que simulo instintivamente, mas que preferia não simular.


Não estou vazia, mas sinto-me como se estivesse.
Vazio que é cheio. Cheio de dias que vêm ter comigo cheios de abraços carinhosos fictícios e humanos, porque no fundo estou só. Porque quando devo estar acompanhada estou só. E quando estou só acompanho-me com pensamentos feéricos que me façam esquecer este ruído tão cheio de silêncio e que detesto, encontro-o debaixo das unhas e entre os cabelos, nas olheiras cinzento cada vez mais perto do negro. Queria um abraço ingenuamente animal, que não quisesse saber porque estou assim ou porque estou só, um abraço puramente abraço, movido por um detector não selectivo de solidão. Um algo sem destino, que me acompanhasse quando não estou acompanhada. Uns olhos sem serem olhos, pequenos e discretos, que me sorrissem assim que os recordasse. Uma simples recordação que não estivesse emaranhada em todo este barulho do qual não me consigo livrar.


"Tinha a certeza de que não iria precisar dele até ao fim dos seus dias."



Gabriel garcía Márquez, O amor em tempos de cólera (5ª linha, página 161)


passo a tarefa a nuvem_preta, nina_da_floresta e Afonso. Regulamento aqui.

O meu pai
deixa-me ir
para o violino.

Violino, violino,
violino, violino.

Eu.

Poema de Rita Sá.

2007/10/23

Quase tudo o que fizermos será insignificante,
mas é muito importante que o façamos.


M. Gandhi

Não demores o teu sentir nesse desgosto!

Passa tudo pelo corrimão abaixo da vida,

não percas esse tempo adjacente à tristeza,

urge voltares ao sorriso de vidro fosco!



Vem, à aldeia dos abraços transparentes

que só não vês porque te finges cego!



Não te damos o tempo que precisas para chorar,

porque lágrimas são más e as nossas mãos de cristal são boas.

Porque nós somos as horas e tu os minutos,

não fiques a limpar esse azul baço,

não precisas de levantar as rugas das tuas pálpebras.



Eu...

Mas eu... quero ser azul e ser baço! Só não o quero ser só.







2007/10/17


Este esquema representa o meu cérebro e as suas vivências nas próximas 24 horas.

2007/10/14

This is it.


2007/10/09



in http://postsecret.blogspot.com/

2007/10/08

Nunca mais me esqueci disto, esta deve ser uma canção tradicional ou de embalar. Julgo. Também poderá ser inventada, ou extremamente conhecida e eu não estar a reconhecer. Se vos fizer lembrar alguma coisa avisem-me, por favor.

Descansa meu querido descansa,
não te quero despertar,
vou para a cozinha trabalhando,
com vontade de chorar.

Irremediavelmente, quieta no meu canto, ouço ao longe a voz crédula, entoar um discurso já há muito iniciado:



Como quando o silêncio se funde com as palavras, sabes? Aquele silêncio que se mistura na sonoridade das palavras, que está por detrás de alguma sílaba mas não sabemos qual?

E quando o silêncio faz imenso barulho, também sabes? Quando a cama já tardia e o repouso aparente se esvaem na certeza do ruído ausente?

Hum… como um silêncio sepulcral encoberto por sons ensurdecedores...

Já sabes?

Ainda não.

Como quando um pano semi-transparente de seda plana sob uma água agitada e finalmente cai, sabes? Cai e não se molha todo duma vez. Molha-se aos poucos, não imerge, permanece sempre com a ameaça eminente de se perder para sempre no fundo oceano. Flutua indefinidamente. Pesando-lhe o facto de ser mais leve do que a água, percebes?

Não. Não compreendo.


Como quando roubas a atenção ao actor principal com um brutal ataque de tosse? E a tua saída se impõe? Mas tu não sais porque esperas, escusadamente, pelo fim de uma tosse que não cessa, evitas a saída inevitável?

Mas nesse caso talvez aguentasse a tosse até ao fim da peça.

E se não aguentasses? E se fosse impossível?

Saía.

Mas afinal o que se passa contigo?

Acho que pensas que fui embora, mas ainda aqui estou.


Como um beijo depois da despedida? Como um segundo de hidratação antes do deserto? Como duas mãos unidas por debaixo da mesa?

Não.

Como o perigo, debaixo da porta, esperando que escorregues no pavimento encerado? Esse mesmo, disfarçado de lantejoulas, para que não passe despercebido e que desse modo ninguém o receie?

Também não.

Então como?

Como um corpo gelado e imóvel, no qual está colado um cartaz com a palavra “Inviável” escrita. Como um corpo, que tem espírito, mas não consegue mostrar.

Ah! Então fica bem. Bem, como o mendigo, que dormiu na rua no dia de sol depois do dia de chuva.

Obrigada. Obrigada, como a pessoa de coração dilacerado.

2007/10/06

Era uma rapariga que gostava muito de escrever, mas raramente se satisfazia com o que escrevia.
Certa vez, em vez de escrever mais um dos seus poemas, em vez de acrescentar linhas ao eterno romance, em vez de mais uma história, escreveu o que mais gostara de aprender durante o seu tempo de vida. Tinha consciência de que não escrevera nada de especial e muito menos de original, mas que a fez sentir particularmente bem e viva. Passo a transcrever:

"Estas são as lições que mais gostei de aprender, sem qualquer ordem, senão a ordem através da qual elas fluíram através do pensamento:

Primeiro aprendi que gostar de alguém, é gostar de uma pessoa tal como ela é e não apesar do que ela possa ser.

A segunda grande lição é que as pessoas não mudam senão quando realmente assim o entendem.

A terceira lição é que sempre que esperei muito tive pouco, e sempre que esperei pouco tive muito. (sim, sim, eu sei que Pessoa já o tinha escrito. Este é, portanto, plágio é da pior espécie mesmo, duplo plágio: de escrita e de vivência)

A quarta é que sou muito melhor a ser o que sou do que a ser o que pareço ou quero parecer.

A quinta é que a solidão não é assim tão reconfortante como julgava e que um abraço vale uma infinidade de linhas escritas, um céu cheio de estrelas, música toda a noite e a poeira a assentar com a chuva de Verão.

Ainda aprendi que sempre que me enganei a mim mesma custou muito mais saber a verdade.

Aprendi que a modéstia é uma das características que mais aprecio nos outros e uma das que mais detesto em mim, simultaneamente.

Aprendi que nem toda a gente vai gostar de mim, mas que alguém há-de sobrar.~

Aprendi que as pessoas do autocarro ouvem o que falo com a pessoa ao lado, tal como eu as ouço, por vezes.

Aprendi que há mesmo pessoas extraordinárias, uma delas foi a que me deu à luz.

Aprendi a gostar de mim só para que tu, também gostasses e eventualmente hei-de apanhar-lhe o jeito.

Também aprendi que às vezes basta um sorriso alheio para me sentir viva.

Aprendi que ainda não aprendi a deixar as pessoas acabar todas as suas frases.

Aprendi que tudo que aprendi pode estar errado, mas o que sinto não.

Aprendi, por fim, que ainda falta muito para aprender."

2007/10/02

Alegro ma non troppo

O meu pensamento encontra as tuas mãos a envolver o molhado dos teus olhos. Sei apenas que, enquanto os encontrar, conseguirei sempre rasgar o meu sorriso cor de nada, transparente como a felicidade inesperada.

Pena a minha inspiração feliz se orquestrar com o suspiro que teme o barulho de beijos enrugados pelo tempo, o suspiro que teme a tua partida.

Quando fores, NÃO vás.

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