Alguém que me lê e eu não vejo.

2004/08/30

Um novo mundo onde o tempo é senhor de escravos do dia-a-dia.

Não costumo tolerar este tipo de frases, que nascem em análises feitas por mim, igualmente escrava e com sentimentos por vezes tão vis. Mas se as palavras me chegam até às mãos, que lhes fazer? Calá-las e emendar o que sinto? Ou deixá-las acamadas dentro de mim, esquecendo que um dia foram de alguém?

É assim, mesmo sem virtude, mas com voz, que venho denunciar: numa altura em que bastantes pessoas suprimiram várias das necessidades inerentes à sua própria condição humana (algumas até pensar). O fulcral, o sangue da vida, parece extinguir-se! E com lágrimas, como gotas sinistras, em sinal de que algo está em falta, chora-se. Chora-se, não por dor, nem por amor, mas por falta de tudo isto. Existe mesmo alguma água no mundo pior do que estas lágrimas salgadas? Haverá sal no mundo, mais amargo que este pranto? Nem todos são assim, nem todos são. É na relatividade que encontro recantos de aconchego.

2004/08/26

De mansinho, numa névoa urbana com cheiro a maresia, as sensações chegaram em paralelo para nós e para o mundo distraído. Apareceram tanto para mim como para ti, para mim no sorriso e para ti nas palavras. E, então, falaste-me, para que eu escutasse sem poder elevar a atenção a outros sons. A tua voz tocou na minha pele arrepiada e eu sorri-te o que me disseste. Porque a sorrir pensei mostrar-te, com os olhos inseguros, o que eu estava segura de sentir. Ao passo que era denunciada por tudo em meu redor que sentia comigo: o vento, o mar a olhar de esguelha, o veludo disfarçado das nossas mãos entrelaçadas. Foi nesse instante, já longínquo, em que eu quis ser tudo, que eu escolhi que o mundo ia caber no teu olhar...

2004/08/04

Porquê não sei. Talvez essa seja mais uma pergunta sem sentido. O porquê não sei, de facto, mas perdi-me no meio de tudo isto: que era suposto ser vivido e ser sentido. Limitei-me a ir indo, sem grandes precipitações mas quando dei por mim, uma a uma, as pessoas tinham ficado para trás. Estava só e tudo em meu redor não era senão uma redonda capa de breu na qual eu me embrenhava sem qualquer receio.
E agora que me apetece voltar? Agora depois de ter entornado muitas das minhas lágrimas, que caminhei tanto que o fôlego começa a faltar-me, agora o que farei?
Não hesito demasiado. Faço aquilo que alguns momentos me ensinaram até hoje: rastejo pelos sorrisos que me acolhem, limpo algumas das lágrimas que vejo chorar sem me dar conta que estou profundamente vazia. Do mais triste é sentir que cumpro a minha tarefa: existo. Sob que forma, se bem ou se mal, nem sequer questiono muito. Está demasiado apertado o nó desta gravata que todos os dias ato à minha garganta. Aperto-o bem para que ninguém ao querer arranjar-mo me sufoque. Aperto-o bem para calar estes gritos pavorosos de dor que estoiram dentro de mim. Está demasiado para eu continuar a existir sem ser nada. E peço a quem nunca assim se sentiu que venha aqui e se sente ao meu lado e me ofereça umas palavras coloridas num dia qualquer inesperadamente.

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