Alguém que me lê e eu não vejo.

2006/07/26

Felicidade

O amplexo do mundo a embalar-me
na harmonia do compasso do tempo da vida.
Este berço oscilando entre as correntes.

Não tenho muitas vezes a ideia de ser feliz,
mas muitas vezes sou-o.
Nem sempre as repetições fazem sentido. É raro fazerem sentido para muita gente. Mas neste cantinho fez todo o sentido. Como algo que faz sentido repetir-se porque se sente ou se pensa ou porque se deixa de sentir ou pensar. Porque se quer acreditar, ou rir, de algo que se repete. Ou até mesmo, na exaustão da repetição, fluir de encontro ao esquecimento.
MEU AMIGO


MEU AMIGO, não sou o que pareço.

A aparênciaé apenas um vestido que levo,
um vestido cuidadosamente urdido
que me protege das tuas perguntas,
e a ti do meu desinteresse.

O «eu» que há em mim,
meu amigo,
vive na casa do silêncio,
e ali ficará sempre,
irreflectido, impraticável.

Não te levarei a acreditar no que digo,
nem a confiar no que faço,
porque as minhas palavras
mais não são que os teus próprios pensamentos
convertidos em som,
e as minhas obras
são as tuas próprias esperanças
materializadas em actos.

Quando dizes:
- O vento Sopra de Leste, digo:
- Sim, sopra sempre de Leste;
mas não quero que saibas
que então o meu espírito
não se ocupa do vento,
mas do mar.

Tu não podes entender os meus pensamentos,
filho do mar,
nem me interessa que os compreendas.
Prefiro continuar sozinho
com o mar.

Meu amigo,
quando para ti é dia,
para mim é noite;
mas nem por isso deixo de falar-te
da luz do dia que banha os cumes
nem da sombra cor de púrpura
que avança pelos vales;

Porque tu não podes ouvir
chegou a um terço:
as canções da minha obscuridade,
nem podes ver as minhas asas
adejando contra as estrelas;
e não me interessa que ouças ou veja
so que há em mim.

Prefiro estar sempre
sozinho na noite.

Quando sobes ao teu céu,
desço ao meu inferno.

Então chamas-me
através do abismo intransponível
que há entre ti e mim:
- Companheiro ! Camarada !
E eu respondo: -
Porque não quero
que vejas o meu inferno.

Ficarias cego com as chamas,
e asfixiado pelo fumo.

E eu amo demasiado o meu inferno
para te deixar visitá-lo.

Prefiro estar sozinho no meu inferno.

Tu amas a Verdade, a Beleza, a justiça,
e eu para te comprazer
digo que estou de acordo contigo
e que está certo
que ames essas coisas.

Mas, no fundo do meu coração,
rio-me do teu amor por elas.

Contudo, escondo-te o meu riso,
porque prefiro rir-me sozinho.

Meu amigo,
és bom, prudente e sensato;
mais ainda, és perfeito.

Por mim, falo contigo
com sensatez e cautela, mas...
estou louco.

Oculto a minha loucura
com uma máscara.

Prefiro estar louco sozinho.

Meu amigo,
não és meu amigo.

Mas como fazer-te
compreender isto?

O meu caminho
não é o teu caminho,
e, contudo, caminhamos juntos,
de mãos dadas.


Kahlil Gibranin
in "O Louco"

2006/07/17

Gosto quando o teu sopro me surpreende!
Escondes a lua no teu cabelo para eu descobrir.
Ofereces-me o teu coração no doce toque do céu caído na minha pele.
E apenas o teu olhar basta para o meu sorriso ser eterno.

2006/07/06

Não sei.
Miragem

Queria sentir-te aqui ao pé de mim, como achava que estavas antigamente.

Ou seria o teu sorriso de lua, a Norte do mundo, minguando por dentro e crescendo no papel emaranhado da noite?
...
...
...
Não sei se quero continuar a não te encontrar na minha miragem.

2006/07/05


A história da cortina azul...

Pintei-te de azul, como doutras vezes, foi então que me apeteceu contar a tua inebriante história que de inebriante talvez tenha apenas a brisa. Esse compasso que marcas descompassada, que deixa as suas marcas no meu corpo irregular. E é bom lembrar-te assim: ondulante! De veludo! Tocando-me apenas ao de leve e assim acolhendo-me. Sempre a fingir-te ininteligível num vale perdido dentro de mim...
Fui pintando de azul esse teu veludo até ao dia em que apareceste noutra tela, plágio de brisa leve. Tela bela, bela tela encerrou os aplausos de quem leu essa tonalidade azul. Os músculos a embaterem e a darem-te uma forma diferente.
Voltaste, julguei que com sabor adúltero. Contudo, encobriste-me, envolveste-me no teu refúgio quase feérico. As minhas pálpebras encostadas no escuro, permitiram-me que me guiasses assim. Reencontramo-nos num momento chamado ternura, escondido debaixo da minha cama. Continuo a pintar-te de azul, deixo que me guies, incansável, sob o teu manto de ternura.
Porque será? Serão que as palavras vos repudiam? Ou será que refulgem e temeis o ardor do seu brilho? A lágrima sentada na porta da noite descai suavemente, recolhendo-se aos seus recantos ondulantes. O sorri esbate-se escada acima, também ele preferiu encabulado a sombra da cortina de veludo azul. Ajoelhou-se na ausência a presença do nada.

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