Como se não tivesse substância e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono,germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite,lentamente,sob uma chuva densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono,na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento,na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui,o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser,os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.
António Ramos Rosa
In: No Calcanhar do Vento, 1987
Alguém que me lê e eu não vejo.
2007/09/29
2007/09/26
Hoje sinto-me fraca por não saber como se escreve este sentimento de fraqueza. É quase macabra a quantidade de palavras bonitas que se podem usar para descrever algo tão vil.
Resta-me, portanto, a simplicidade das tábuas que suportam o meu colchão, que no Ikea se vendem separadas do resto da cama. Eu nasci separada das protecções laterais, de mim tudo jorra: bom e mau e o que está no meio e para lá disso. Nasci para suportar uma loucura que por aí anda espalhada e que é minha.
Mas amanhã creio que vou comprar um colchão feito de lata e aninhar-me no seu aconchego, dando-lhe a trivialidade do meu sustento. Espero que seja suficiente para arrancar um sorriso às suas molas, que a rectidão e que à simplicidade deste conjunto das minhas tábuas se lhe subtraia a fraqueza.
Resta-me, portanto, a simplicidade das tábuas que suportam o meu colchão, que no Ikea se vendem separadas do resto da cama. Eu nasci separada das protecções laterais, de mim tudo jorra: bom e mau e o que está no meio e para lá disso. Nasci para suportar uma loucura que por aí anda espalhada e que é minha.
Mas amanhã creio que vou comprar um colchão feito de lata e aninhar-me no seu aconchego, dando-lhe a trivialidade do meu sustento. Espero que seja suficiente para arrancar um sorriso às suas molas, que a rectidão e que à simplicidade deste conjunto das minhas tábuas se lhe subtraia a fraqueza.
2007/09/25
Era uma rapariga que um dia, alguém, considerou eloquente. Todos os seus passos eram distintos, alinhados com uma ordem quase terna. Um dia, enquanto deslizava pela calçada de mármore, um os seus pés esguios por breves instantes enclausurado no interstício o pavimento alinhou-a de forma violenta com os carris do eléctrico. Foi uma diferença e segundos que lhe salvou as pernas da dilaceração.
Recuperou o pé do hiato imprevisto. Esgueirou-se por entre a multidão e nunca mais foi vista. Ninguém mais a viu, nem foi considerada novamente eloquente. Contudo, todos os dias passava na mesma calçada, prevenia-se das fendas com sapatos de homem e da erosão da elegância com um fato largo. Ocultou a beleza dos seus movimentos com a velocidade dos passos largos.
Assim continuou a chegar todos os dias à maresia rochosa do estuário: sem que ninguém a visse. Percebera no dia da queda que a invisibilidade lhe daria asas.e as suas asas levavam-na em direcção a tudo que sonhava, sem que nenhuma palavra precisasse ser dita.
Recuperou o pé do hiato imprevisto. Esgueirou-se por entre a multidão e nunca mais foi vista. Ninguém mais a viu, nem foi considerada novamente eloquente. Contudo, todos os dias passava na mesma calçada, prevenia-se das fendas com sapatos de homem e da erosão da elegância com um fato largo. Ocultou a beleza dos seus movimentos com a velocidade dos passos largos.
Assim continuou a chegar todos os dias à maresia rochosa do estuário: sem que ninguém a visse. Percebera no dia da queda que a invisibilidade lhe daria asas.e as suas asas levavam-na em direcção a tudo que sonhava, sem que nenhuma palavra precisasse ser dita.
2007/09/24
2007/09/22
MANISFESTO (anti) ALGO DE MIM
Hoje acusaram-me de fazer muitos filmes. Não foi a primeira fez que o fizeram, mais do que uma pessoa. Também já me acusaram de ser egocêntrica e de levar tudo demasiado a peito. E de forma a cultivar esse egocentrismo vou escrever mais uma vez a falar de mim.
Sim, é verdade, por vezes dizem-se coisas sem segunda intenção sem significado nem significância. Por vezes dizem-me coisas para que eu as modifique e não para me colocarem em causa. E muitas vezes sinto-me atacada e sem paciência. Muitas vezes, muitas, interpreto determinadas frases como criticas.
Como daquela vez em que me disseste que não beber com os amigos era mau devido ao facto de ser um acto social. Eu interpretei isso como sendo tu a chamares-me anti-social. Sim, vejo aí o exagero da minha parte. Ou quando a minha chefe me questionou sobre o meu mapa poder estar incorrecto, quando eu sabia que não o estava, respondi-lhe imediatamente que não sou maluca para inventar mapas. Quando, no fundo, ela queria apenas certificar-se de que estava correcto.
Por todas estas particularidades que acabam por se tornar generalidades, peço desculpa ao que sofrem com ela. Desculpem aqueles que, injustamente, “sofreram” os meus rompantes defensivos.
À parte disso, futuramente, estes meus sentimentos serão pensados até desaparecerem. Porque realmente existem sentimentos que não se devem manifestar! Assim terá de ser se quiser sobreviver a todos os níveis, incluindo o da minha própria sanidade mental.
Está, assim, dito.
2007/09/17
Está frio para não usar mangas.
Pela janela ousa o latejar dos veículos, dos seus motores com combustão inexorável.
E os violinos em surdina, gritam anunciando a sua derrota.
Um canhão dispara e resplandecem, banhos de sangue castanho em forma de cítara.
Os ouvidos cegam a boca de quem sente os tiros.
Tiros são limpos, distantes, poemas e filosofia.
Morte é música, pintura e romantismo.
Eu sou pólen infértil e sem destino.
Tudo a uma só imagem, a um só segundo, a uma só loucura.
Pela janela ousa o latejar dos veículos, dos seus motores com combustão inexorável.
E os violinos em surdina, gritam anunciando a sua derrota.
Um canhão dispara e resplandecem, banhos de sangue castanho em forma de cítara.
Os ouvidos cegam a boca de quem sente os tiros.
Tiros são limpos, distantes, poemas e filosofia.
Morte é música, pintura e romantismo.
Eu sou pólen infértil e sem destino.
Tudo a uma só imagem, a um só segundo, a uma só loucura.
Raramente falo, senão de sentimentos, e raramente uso outro tom que não o confessional. Mas hoje apetece-me falar de algo que vi e ouvi.
Esta imagem composta por três quadros da Paula Rego intitulados “Pillowman”, foi-me dada a conhecer pela menina tóxica (que de tóxica não tem nada). Falou-me destas telas enquanto conversávamos sobre a peça do mesmo título, escrita por Martin McDonagh.
No meu imaginário, o homem almofada é cinzento mais claro, com a cabeça maior e mais redonda. A roupa do meu homem almofada é azul clara e o seu sorriso ainda mais reluzente. Eu sei que Pablo Neruda adorava azul porque azul era a cor da felicidade. Mas para mim o suicídio infantil é azul claro, a profissão do homem almofada tem um uniforme azul claro e a ausência de céu é tão azul e tão clara como a presença de céu e sol. A vida do homem almofada era o sofrimento, e a sua remoção das vidas pelo suicídio prévio, um suicídio preventivo da dor. O homem almofada como o mensageiro da dor. A sua história tocou-me como já há muito este coração tão era tocado. E a recusa de Michael perante o homem almofada, a sua aceitação de uma vida de sofrimento em nome da prevalência das histórias do seu irmão. A renúncia de Michael em nome da prevalência do próprio homem almofada. Um homem feito de almofada, fofinho, para a vida doer menos, de um modo tragicamente azul.
E Paula Rego exímia a transmitir a dor com as suas cores. Cores diferentes, mas a mesma dor.
2007/09/10
2007/09/09
2007/09/08
Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida ...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.
Álvaro de Campos, às vezes também preciso dele e de um universo barato.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo, porque também há vida ...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.
Álvaro de Campos, às vezes também preciso dele e de um universo barato.
2007/09/07
2007/09/06
Há momentos em que sinto tudo ao de leve, como se palavras, notas, fossem um sopro a tocar ao de leve na pele e a deixar um arrepio em tempo de calor. Uma sensação aprazível: uma pequena manta de tecido e brisa a envolver-me.
Não é isso que se passa quando ouça a Mercedes Sosa. Com ela é impossível sentir o morno do dia.
Não é isso que se passa quando ouça a Mercedes Sosa. Com ela é impossível sentir o morno do dia.
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- O mais belo! Não resisti!
- Se eu tivesse aqui ficado, também eu teria perdido...
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