Apetece-me escrever um poema
Não, não é um poema que escrevo.
Sim, sim as minhas frases começam
muitas vezes com não.
Como se negar, negar-me,
fizesse sentido,
tanto sentido como
manter o silêncio
por detrás das palavras.
Por isso não escrevo um poema,
não escrevo coisa alguma,
escrevo a negação
de tudo aquilo que poderia escrever.
Talvez nem escreva...
murmuro assobios acobardados
de paixão, de pessoa fruste,
de olhares enternecidos
com o simples,
com a rua,
com os cheiros crús do mundo,
com as navegações intempestivas
que um sorriso pode ter,
com as flutuações de uma voz tremida,
de uma voz que quer chorar.
Vou espreitando, de esguelha,
o mundo,
vou acumulando as sensações,
que encontro ao subir as escadas,
a pegar numa criança ao colo.
Prossigo escutando,
aprendendo o que escuto.
Deixo-me deslumbrar.
Penso-me sólida e firme
ou a desfazer por dentro,
mas nunca me vou pensando bem.
Caminho sem tocar o chão,
rebolo montanhas abaixo e rio-me.
Nada. Deixo-me sentir vazia.
Preencho-me.
Divago, permito-me fazê-lo.
Sinto-o com permissão.
Aprovo-me.
E os dedos continuam a correr teclados,
a deslizar com tinta.
Preocupo-me.
Padeço, com lágrimas.
Preciso de encontrar-me com a manhã,
com a noite.
Preciso reecontrar-me
com a sensação de reecontar.
Finalmente, detenho-me.
Risco um toque da minha consciência,
guardo-o na memória,
sem que me aperceba.
Falo.
Escrevo. Amo-te.
Despeço-me.
Entrego-me a alguém,
mesmo que na ilusão,
pois nem sempre sei o que fazer comigo.
Cuido ter tanto, mas tanto!
Perco-o.
Detenho-me novamente.
Recolho-me.
Uso verbos sem cuidado,
nem carinho.
Alongo-me perdida, nos meus olhos pesados...
em minutos sentidos.
Não leio.
Abandono estas palavras.
Deixo-as para quem
tropeçar nelas,
as palavras que são calçada molhada,
que já foram chuva,
que já foram nuvem,
que já foram mar.
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