Alguém que me lê e eu não vejo.

2007/10/08


Irremediavelmente, quieta no meu canto, ouço ao longe a voz crédula, entoar um discurso já há muito iniciado:



Como quando o silêncio se funde com as palavras, sabes? Aquele silêncio que se mistura na sonoridade das palavras, que está por detrás de alguma sílaba mas não sabemos qual?

E quando o silêncio faz imenso barulho, também sabes? Quando a cama já tardia e o repouso aparente se esvaem na certeza do ruído ausente?

Hum… como um silêncio sepulcral encoberto por sons ensurdecedores...

Já sabes?

Ainda não.

Como quando um pano semi-transparente de seda plana sob uma água agitada e finalmente cai, sabes? Cai e não se molha todo duma vez. Molha-se aos poucos, não imerge, permanece sempre com a ameaça eminente de se perder para sempre no fundo oceano. Flutua indefinidamente. Pesando-lhe o facto de ser mais leve do que a água, percebes?

Não. Não compreendo.


Como quando roubas a atenção ao actor principal com um brutal ataque de tosse? E a tua saída se impõe? Mas tu não sais porque esperas, escusadamente, pelo fim de uma tosse que não cessa, evitas a saída inevitável?

Mas nesse caso talvez aguentasse a tosse até ao fim da peça.

E se não aguentasses? E se fosse impossível?

Saía.

Mas afinal o que se passa contigo?

Acho que pensas que fui embora, mas ainda aqui estou.


Como um beijo depois da despedida? Como um segundo de hidratação antes do deserto? Como duas mãos unidas por debaixo da mesa?

Não.

Como o perigo, debaixo da porta, esperando que escorregues no pavimento encerado? Esse mesmo, disfarçado de lantejoulas, para que não passe despercebido e que desse modo ninguém o receie?

Também não.

Então como?

Como um corpo gelado e imóvel, no qual está colado um cartaz com a palavra “Inviável” escrita. Como um corpo, que tem espírito, mas não consegue mostrar.

Ah! Então fica bem. Bem, como o mendigo, que dormiu na rua no dia de sol depois do dia de chuva.

Obrigada. Obrigada, como a pessoa de coração dilacerado.

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